sábado, 15 de dezembro de 2012

A ladra de olhares


Nunca fui o tipo de pessoa que se emociona com o sofrimento de pessoas de rua, sejam elas crianças ou idosas. Não sou insensível, muito pelo contrário, apenas acredito que essas pessoas têm opções e podem, claro que com muito esforço, mudar suas vidas para melhor. Emociono-me e sensibilizo mesmo com os animais de rua, afinal, como podem eles mudar seu destino nem sendo ao menos independentes? Não falam, não podem trabalhar e mal conseguem pensar direito seus atos. Não há como mudarem suas vidas por conta própria. Sempre que vejo um animal na rua, largado e sem rumo, me sinto infeliz. E por várias vezes me pego a observar concentradamente os passo de algum certo animalzinho desses.
Certa vez, como de costume, saí do curso que faço aos sábados pela manhã no centro de Gravataí e fui para a parada esperar um ônibus municipal. Deparo-me com uma cadela preta, de porte médio, deitada logo atrás da parada. Algo comum, realmente. Mas, como sempre faço e parece até que quando uma oportunidade dessas surge não tenho mais o que fazer, fiquei na parada de ônibus, de modo que eu pudesse enxergá-la, observando a pobre cadela. Assim que a olhei, ela me olhou também e ficou fitando-me por uns longos dez segundos com o olhar mais digno de pena que já vi. Eu não havia almoçado ainda e nem ia, aquilo embrulhou até minha alma. Mesmo depois de ela ter parado de me olhar, eu continuei observando-a e o que ela fez comigo tentava fazer com as pessoas que passavam por ela; a todos que passavam, ela olhava com convicção. Parecia estar mendigando olhares, queria, de algum modo, ser notada e sabia que não estava sendo. A não ser por mim, tanto que me olha novamente e, aparentemente incomodada sob meu olhar, ela se levanta. Estava magrinha, com a pele maltratada e bem abatida. Ela andou por trás da parada de ônibus, eu via apenas suas patas por debaixo da parada. Quando consigo vê-la novamente, ela está olhando para um rapaz que passa meio apressado, de terno e com mochila nas costas, ela o olha até não poder mais. Logo troca de vítima e a próxima é uma senhora que anda em ziguezague e quase esbarra nela, que dá um súbito passo para o lado.
Imagino a tristeza daquela cadelinha querendo um colo, um carinho, um pouco de água e comida, tentando prender olhares em frente ao mercado Carrefour. O meu olhar ela conseguiu. De repente, ela me olha, dá as costas para mim e olha-me firmemente de novo, como uma despedida e um “obrigado por me notar”, e vai embora devagar, passos lentos de fome e exaustão. Enquanto isso, eu a vejo ir embora com vontade de leva-la para casa e cuidar dela, porém não posso. Eu gostaria de cuidar de todos os animais de rua, mas se fizesse isso toda vez que sinto vontade, eu seria dona de um canil. Eu a perco de vista e volto a esperar meu ônibus normalmente. Senti que havia acabado de sair de um transe canino.
Meu ônibus demorou, mas finalmente veio. Fui para casa pensando na cadela preta que hipnotiza pessoas para roubar olhares. Nunca mais a vi.
                   

Autora: Juliana Rosinski

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