sábado, 15 de dezembro de 2012

Vitrine



Segunda-feira, sete e meia da manhã. Atrasado, levanto-me mais célere do que nunca. Escovo os dentes e sussurrando digo: “Pai, hora de sair!”.
Ao chegar ao colégio, o de sempre ocorre: três períodos intermináveis de História, seguidos de um recreio de quinze minutos – como se este fosse suficiente para recarregarmos as energias de maçantes cento e trinta e cinco minutos de aula.
Olho o relógio e já são 11h45min, momento em que me torno senhor de mim e saio com destino à parada de ônibus. 12h15min e aqui estou, livre de professores e deveres por pelo menos trinta minutos, tempo que levo até meu curso, onde tudo começa outra vez.
Dentro do ônibus me acomodo próximo à janela e lá sou apenas eu e meus fones de ouvido. Sintonizo em uma boa estação e me permito durante este período apenas assistir a correria sem participar dela, como se estivesse em frente a uma vitrine.
Como de costume, na primeira parada, uma moça loira de óculos escuros congestiona o fila, afinal, ela sempre demora para encontrar a niqueleira de onde tira infinitas moedas. Logo após, um senhor meio calvo entra cumprimentando a todos com um sorriso sempre estampado, porém de olhar triste. Ao olhar através da janela, um fusca vermelho estaciona em frente à padaria do Seu Joaquim – são seus filhos chegando da escola.
Mais à frente, umas três paradas depois, uma criança ruiva com sardas espalhadas por toda a face chora para entrar no ônibus. E mais uma vez sua mãe envergonhada lhe dá um discreto “puxão de orelha” e balbucia: “Em casa a gente conversa!”. Pergunto-me até hoje se isso realmente acontece.
E assim vou até o terminal da capital, no qual espero em média quinze minutos para que o percurso continue. O motorista acena para o guarda que se encontra sempre em seu devido lugar, e de lá grita: “Tarde, Seu Zé!”.
Poderes sobrenaturais? Não, longe disso. Não passa de uma experiência de um jovem que passa grande parte de seu tempo olhando “vitrines”.
No entanto, enquanto observo atentamente todas as cenas e adivinho o que acontecerá a cada instante, algo me chama muito a atenção. Meus olhos fitam-se de imediato. Não tão longe, perto das escadarias do terminal, uma mãe e um filho, de mais ou menos uns seis ou sete anos, trocam gestos afetuosos. A mãe entrega-lhe um lanche, apanha uma mochila do chão e a coloca no garoto, pronunciando palavras claramente decifráveis: “Hora de entrar no ônibus!”.
Entrar pra quê? Ir pra onde? Deduzo pelo contexto que este seja talvez seu primeiro dia de aula, ou o primeiro dia em que sozinho embarcará em um transporte público.
A mãe lhe dá algumas coordenadas como se fosse um guia turístico mostrando-lhe o caminho a seguir. O menino, em contrapartida, parece nada estar contente com a situação. Apanha um punhado de moedas contadas atenciosamente pela mãe e põe-se a chorar. A mulher, com marcas expressivas que o tempo lhe causou, parece estar atrasada para algum compromisso. Ela não tira os olhos do relógio, demonstrando nitidamente estar dividida entre o afazer e o filho.
Assim, o menino a abraça, como se aquele fosse o último dia de sua vida, e embarca no ônibus. O garoto entra, e passando as mãos entre os assentos como uma espécie de brincadeira, senta-se coincidentemente ao meu lado. Enxugando as lágrimas, aquele ser inócuo e que nada conhece do ambiente em que se encontra volta-se para mim e abre um sorriso cabisbaixo.
Passam-se os quinze minutos, o ônibus arranca e a mãe do garoto, mesmo atrasada, continua ali, resoluta e detida em seu filho. Atira-lhe um beijo e o menino, agora mais calmo, já que o ambiente lhe obriga, corresponde.
Durante o percurso, um telefone toca. O garoto ao meu lado retira do bolso um daqueles aparelhos antigos, os quais têm com única serventia fazer ligações. “Estou bem, mãe”, fala o jovem.
Agora são 14 horas e aqui estou absorto na explicação do professor. Porém, aquela cena, aqueles olhares trocados e todo aquele amor sem reservas de uma mãe para um filho, não me saem da mente. Amor capaz de suportar sacrifícios, por mais dolorosos que sejam. Amor capaz de manter duas pessoas juntas, sejam quais forem as dificuldades que passem. Amor que nos acompanha antes mesmo do nascimento e que nos ensina que, por mais afastados que estejamos, sempre estaremos ligados um com o outro. Amor que existe, mas que é difícil de notar.
Difícil por quê? Tornou-se inexistente? Não. Basta tirarmos tempo para olharmos atentamente e percebermos os pequenos detalhes da vida. Palavras de um jovem que passa grande parte de seu tempo olhando “vitrines”.

Autor: Nicolas Rodrigues

Nenhum comentário:

Postar um comentário